Já não construo disfarces ou personagens no espelho
Pro roteiro adaptado da comédia dos meus dias
Tenho saido de casa vestido só de verdades
Talvez por certa arrogância e a preguiça de esconder-me
Só que isso de jogar-se de penhascos em palavras
Inunda todas as cenas de absolutas sentenças
E em meu ar de indiferença de alguém nunca indiferente
Vivo em meu laboratório dos afetos controlados
E quando posso navego pra ilha da minha verdade
Que mesmo tornada instante sustenta o fio dos meus dias
Onde ando em cordas bambas sobre a rede dos amores
E em arenas de leões que se acalmam com cantigas
E às vezes cavo poemas no solo de meus segredos
Que testemunham honestos meus persistentes ensaios
E querem que sejas cúmplice do meu mapa de viagens
Já a que horda dos poetas é a legião das solidões
E caso estejas atento prum certo tom angustiado
É provável que um dos homens que habitem em teu peito
Reconheça nesses versos que nasceram por vontade
O fel das próprias palavras e o doce ainda guardado.
Cado Selbach
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Que Seja
Está bem: que termine, que termine!
Se tem que ser assim... Enfim: que seja!
Que não mais o meu verso te ilumine
e nem tua magia me proteja
das coisas que não temo e em que não creio.
E os beijos de hortelã e de cereja
que trocaríamos noutra realidade,
que fiquem para sempre relegados
ao território das impossibilidades.
Não sou de ter saudades do passado,
mas do futuro, sim, terei saudade.
Se tem que ser assim... Enfim: que seja!
Que não mais o meu verso te ilumine
e nem tua magia me proteja
das coisas que não temo e em que não creio.
E os beijos de hortelã e de cereja
que trocaríamos noutra realidade,
que fiquem para sempre relegados
ao território das impossibilidades.
Não sou de ter saudades do passado,
mas do futuro, sim, terei saudade.
A figueira
“Jesus disse-lhe: Jamais nasça fruto de ti! E imediatamente a figueira secou.”(Mt 21, 19-20)
Elevada, isolada num barranco às margens de uma estrada que não unia nada senão a solidão ao silêncio, estava ela passivamente posicionada. Raízes expostas numa tentativa fracassada de fuga aos grilhões do torrão que a aprisionava. Apresentava um tronco vigoroso, espesso e que fora sulcado por eras e eras de persistência , enquanto os cupins, as formigas e outros parasitas devoravam-lhe, definhavam-lhe outras partes polpudas e mais vitais, uma imponência ímpar no meio daquela paisagem de desolação e tédio existencialista. A data precisa de seu plantio ninguém sabia ao certo, houve quem comentasse que fora germinada antes do nascimento do Salvador. Mais precisamente, à época da queda do primeiro anjo.Quando o dia estava a pino e o calor do sol já podia ser confundido com o mesmo efeito abrasivo das fossas infernais, a velha figueira funcionava como um farol de luz negra, a indicar uma rota aos peregrinos fatigados até um pouso reconfortante em sua vasta sombra, mesmo apesar de desfolhada, pois morta, ainda que de pé, sem viço, quedava-se ali. Suas raízes prolongavam-se por intermináveis ramificações e subdivisões até atingirem o inacessível centro da terra, onde sorviam o magma quente, alimentando-se dele e do ódio pulsante que vinha do submundo, ritmando uma cantiga de revolta, vingança e revanche.
Quantos lombos de escravos não foram escarnecidos por sob sua copa? Quantos facínoras, bandidos e inocentes não foram enforcados em seus galhos? E do sangue destes era nutrida toda uma legião de seres subterrâneos que, gargalhando, regozijavam num sabat de enxofre e fel. Seus galhos nus entrecortavam o vento e produziam um som, um gemido, uma lamúria lastimosa das inúmeras almas perdidas a vagar nas terras desoladas e aflitivas de Hades. Alguém lhe havia esculpido um sinal invertido da cruz, como uma advertência de um possível perigo iminente naquelas proximidades ou, provavelmente, mais uma demonstração do imaginário popular, recheado de superstições e crenças sem fundamentos no sobrenatural. Seus frutos há muito alguém os amaldiçoara, ao invés deles, havia apenas reminiscências de outrora, sobejo de dias felizes que, tão efêmero quanto o tempo, desvanecem-se como cinzas de incenso. Seu figo doce transformou-se em poder, luxúria e ira nos pactos de servidão demoníaca Seus galhos pesavam com essas memórias e, vergando até bem rente ao chão, davam uma idéia de árvore carregada, pronta para a colheita. Porém, a planta, mnemonicamente recordando as palavras proferidas em maldição, lembrava uma vez mais de sua esterilidade e assim quedava-se prostrada, em posição de derrota, só porque não pôde saciar a fome de um Deus amantíssimo, pão da vida, alimento de todos.
Quem porventura passasse por aquele lugar funesto ao final da tarde, quando a escuridão principiava a dominar, a tomar posse do que fora os restos mortais de mais um dia infrutífero, vislumbraria uma das cenas mais bizarras jamais vista. Não se sabe como, mas do ponto em que a árvore estava localizada, podia-se jurar que a noite jorrava dela, era assim, então, uma fonte, espalhando escuridão e caos por todo um firmamento ansioso pelas trevas. Neste período, em que o carro de Apolo não ousava mostrar sua ofuscante face, o silêncio reinava, imperador dos medos e calafrios, vez ou outra perturbado pelo estridente grito cortante de um hipogrifo, uma harpia ou uma banshee disfarçados de corujas, e a vastidão da perene noite chegava até aos confins do inimaginável. No inquietante silêncio, antes do orvalho lavar todas as chagas abertas pelo dia, ouve-se barulhos de cascos. Mefistófeles deleita-se com a visão de uma terra inteira mergulhada no mais puro breu, sem espaço para luz ou esperança. Fita, aprecia o quadro que sua maldade pintara. Olha mais uma vez a tudo, todavia, de olhos embotados, chora. Chora pois jamais criará algo de tamanha magnitude, o mundo. No mais, conseguiria apenas enegrecê-lo. Chora pela sua incapacidade, pela sua criatividade estéril, pela sua debilidade, por sua fraqueza e pela inveja, que lhe corroía as vísceras, sentida pelo ser que imaginara toda a beleza harmoniosa deste pequeno globo, tesouro perdido na Via Láctea. Porém, das lágrimas advém o riso e uma risada insana de quem sabe corromper, de um artista que sabe bem o seu ofício, misturando bem as matizes para obter uma melhor coloração do Mal; de um escultor que sabe aproveitar as rachaduras e as falhas nas estátuas de outrem para elaborar a sua própria imagem. Ele sempre soubera que o coração humano é terreno fértil para sua obra-prima.
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