domingo, 28 de setembro de 2008

Fotografia veloz

Há uma corda pendendo entre as paredes
Há uma alma que nunca se descobre
Dois mantos recobrindo o oblíquo
Quantas chaves para abrir um sentimento?

Cresço mais perdido que o esplendor
Montanhas desfocadas, casinha decrépita
Madeiras negras sobre bases de fim
Rompidas no túmulo selvagem, melancolia.

O quadro que delineia o mistério das tropas
O inato, ríspido, hermético, originário ar
Passei tombado junto a uma implosão de cargas
Décadas e décadas para fingir, e tão mal.

Enumero minhas desgastadas manhãs
Prometo as coisas da volúpia
Não sumirei num breu de seguintes
Pois ainda não vi, pois ainda não sei.

Quase deformo o novelo da carne
Premindo com dedos fracos a grade da observação
Aspirando os acasos como se fossem cortinas filisteias
Regenerando a lânguida película da liberdade.

Levanto a cabeça, hasteio universos
A complexidade de sensações violadas
Inofensivo trasfagar de matérias
Superfícies resolutas, tons de silêncio.

Isolo os ligamentos do corpo
Urdindo as memórias do engano
Sumiram os carinhos de outras épocas
De outras épocas, restou-me o limite.

Vou só, um caminho que corta bosques
Entre os vapores de árvores negras
Sons que vibram distantes, inertes
E perspectivas que se lamentam.

Ivan Guardia.

Sobre ser só

Sobre ser sozinha, vou lhes dizer algo. Sempre soube.Sempre me coube, qual roupa de ficar em casa, larga, confortável e ligeiramente amassada.
Sei que vou morrer sozinha numa estrada. Sei que viverei sozinha até onde me couber. Todos que me fizeram companhia, foram coadjuvantes da minha comédia privada. Não sei ser personagem de ninguém. Não entro em nenhuma estória, não dou audiência, e saio de fininho de todas as festas enfadonhas, cheias de mais tantos personagens inúteis – até mesmo para suas próprias estórias.
Vou lhes contar uma estória nova: meu peixe se chama Eco. Me cerco de livros porque, se minha vida não é uma estória e eu não sou personagem de ninguém, preciso me alimentar de outras estórias, que roubo para mim. Não importa o sexo nem o nome, levando-se em conta que sequer importa o próprio ‘ser’. Sei cozinhar bem, e eventualmente abro um bom vinho. Não suporto pessoas que bebem vinho vagabundo. Esse é o tipo de pessoa que gosta de pagode alto e churrasco com os amigos aos domingos. Farsesco!
Mentira, não tenho peixe. E não cozinho muito bem, mas tenho mania de esticar o lençol do colchão até quase rasgá-lo. Não gosto de espelhos, e creio que ando com uma certa tendência a virar serial killer de pessoas que têm orkut.
Flávia Valente

Auto-retrato escrito e escarrado

No quadro arremesso excremento
E de dejeto pincelo meu esboço,
Com cores intensas do céu cinzento
Fazendo da face um pútrido poço.

A carranca é de acabrunhar
Feito o Minotauro de Picasso
E variegado das obras de Renoir,
Vou pitando-a no descompasso.

A pintura é tão enternecida e nobre,
Quanto os relógios de Salvador Dali.
Rabiscando-a da maneira Polock,
Atiro na tela, um aedo que jamais vivi.

Faço-me vertical no cubismo,
Nítido se o traço medrar-se abstrato.
Assim tem-se meu surrealismo
No quadrado paisagístico e inexato.

Na obra-prima terminada,
Alcanço o que nunca havia visto,
Então visto-me do que não desejo
Ao Pintar o auto-retrato proscrito
Da perspectiva que não me vejo.

Jairo alt

Kadisch

A natureza me deu saúde mas não me deu paz
(Justinus Kerner)

A possibilidade do suicídio torna a vida muitas vezes suportável
(Emil Cioran)
Kadisch
à Diego Pader Terry.

Iria começar uma oração
me lembrar um salmo,
iria rezar o pai-nosso
ou um kadisch
volver meus olhos
distar o jamais
aproximar meu passado.

Iria começar uma oração,
louvado seja!
lembrei que do oitavo andar
em Niterói
deus é pedra
a mesma pedra
que iria por em sua cova.

Louvado seja,
a mentira do sagrado,
que, eu profano nesta hora;
bendito seja o Nome
meu Nome,
teu Nome (leitor)
e o Nome de quem nestas linhas
eu pranteio.

Louvado seja,
quase me esqueci
do intérmino da face
subterrâneo vivo
onde começa o meu olhar

Louvada seja
a Carne
- ossos lascados -
deus das alturas
vai
em queda livre
onde jaz
a carniça do vento.

Bendito seja o inferno,
maldita bendição,
porque malditos são
todos os alados
porque asas pesam,
pesam
a juventude nossa de cada sonho.

Bendito, louvado e maldito
seja o céu...
rasuro tua lápide,
arremessando as letras
seladas
com o cuspe
do amanhã;
santo é
o nome do Horror;
inscrevo-lhe meu salmo
e rasuro tua lápide.

Maldito, louvado, bendito
seja o Nome da Carne
Ossos que espatifam.

Perdoe-me Pedra
venha tu
ao meu reino
que seja feita
em terra
a terra
nos extratos do jamais
e rezo aqui
o cimo daquela hora
no declive desta oração.
Amém.

Tullio Stefano

sábado, 27 de setembro de 2008


Nem Joana, nem inocência D´arc

Nenhum grito pode ser manso:
eis porque me arrepio!

sem rios de pranto
amanheço inconsciente
levada à fogueira
por um homem "santo",
mas ainda respiro

cravejada de esmeraldas
verde, sua raiva
amargando sua lira,
desposando fel,
0fez-me demônio

rosas vermelhas
pétalas áscuas
amantes sublunares
sentidos abastados
relações inventadas

dobro os joelhos
e oro em teu olhar inocente:
livrai de ti, os que teus pés prendem
e antes de qualquer morte
quebrem-se teus espelhos.

Ivone F. Santos

Interstício

Minha alma dança
Enevoada e cega
Sob o jugo de mil pecados
Rutilante e trêmula bacante
que desaba em espirais sinuosas.
Ninguém vê o malabarismo das minhas lágrimas
Sigo subjugada num equilíbrio frágil
Pendurada nos delicados fios
Tecidos por mãos insanas e frias
Corto delicadas lascas de mim
Em inúteis remissões
Fragmentos do que fui
culpas que crescem indolentes
Nas frestas dos teus silêncios
Reforçam a filigrana prateada
Que brota dos teus olhos vidrados
Beijos sonolentos me deslizam;
lençóis bordados de sonho,
Enquanto amamento lobos mutantes
Filhos das facas que se escondem no interstício
Das palavras não ditas
Desfaço-me a cada dia pra te recompor
Junto os cacos dos teus olhos
Reconstruo os teus sonhos
Enquanto abraço abismos.

(Rosa Cardoso)